Antonio Duarte Cardoso da Silva – TCBC


Nasceu em São Paulo em 18 de setembro de 1909, de Claudia Nanini Duarte Cardoso da Silva e Alvaro Duarte Cardoso da Silva. Fez os estudos básicos: primário e ginásio na época, no Colégio do Estado, havendo terminado, em segundo lugar entre todos os formandos.

Em 1928, entrou na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, tendo se formado em 1934 pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A faculdade é a mesma, mas mudou de nome com a criação da Universidade de São Paulo pelo Governo do Estado em 1931.

Foi médico da então Assistência Médica Policial do Estado de São Paulo desde a formatura até 1952.
Fez Cirurgia Geral na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, que era então o Hospital Escola da Universidade de São Paulo, até 1942, quando passou a se dedicar em tempo integral à Cirurgia Plástica, na mesma entidade e em consultório particular. Foi Membro Fundador e terceiro Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Foi membro Titular da Sociedade Latino-Americana de Cirurgia Plástica, quando criou e dirigiu a Revista Latino-Americana de Cirurgia Plástica. Foi Fellow do American College of Surgeons, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e Membro da Academia Paulista de Medicina.

Foi Professor Pleno da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, e já aposentado, recebeu o Título de Professor Emérito quando a faculdade completou 25 anos.

História de vida profissional e familiar: Quando ele chegou em casa, vindo de Ourinhos, onde lutou durante a Revolução Constitucionalista de 1932, a mãe Claudia, e as irmãs Carlota, Oravla e Hercília, se espantaram, pois a rapaziada estava chegando desarmada, mas fardada. Ele não, chegou dentro de roupas velhas, interioranas e apertadas. Logo depois das lágrimas de alegria por ele ter voltado vivo, explicou o que havia acontecido: seu batalhão, o Ibraim Nobre, havia sido cercado por outro cujo comandante, um gaúcho sanguinário, tinha fama de cortar a cabeça dos adversários. O comando dos paulistas, que era ocupado por um nordestino precavido e não lá muito corajoso, reuniu a tropa e liberou os moços armados para que voltassem a São Paulo por conta própria. Fardados e armados. Foi um verdadeiro salve-se quem puder! Ele foi para a cidade de Ourinhos e trocou a sua farda pelas roupas de um caipira, bem menor, por isso o seu traje civil ficou muito engraçado. Mas por baixo havia um revólver calibre quarenta e cinco, munição para o mesmo, e uma granada de mão. Graças a Deus não cruzou com a gauchada, se não esta história não estaria sendo escrita.
Era o meu pai, meu herói.

Sua trajetória profissional parece ter sido traçada por Deus, pois como ele havia cursado o ginásio sem desistir de nenhuma matéria, o que na época era possível, poderia entrar nas faculdades de direito ou engenharia sem prestar vestibular, tendo ele escolhido a última opção. Acontece que vovô Alvaro, que havia morrido em 1927, queria muito que ele fosse médico, e por isso, vovó Claudia insistiu muito, e ele acabou se inscrevendo para o vestibular e foi fazer os exames sem estudar nada.

O ponto sorteado no exame oral de História Natural foi Cristlografia, matéria pela qual ele era fanático, e o examinador também… O exame virou um bate-papo, e a nota foi dez, é lógico, e suficiente para aumentar sua média e coloca-lo em um dos últimos lugares. Ah! Sim, na véspera do exame vovó Claudia havia sonhado com vovô Alvaro, lhe abraçando e felicitando pelo filho, futuro doutor… Vovô Alvaro não era rico, pelo contrário, ainda não havia conseguido comprar casa para a família quando morreu aos 45 anos, mas era amigo de Washington Luiz, que foi Governador do Estado, e até Presidente da República.

Como vovô era funcionário público de carreira, recebeu do chefe a incumbência de organizar o Instituto Médico Legal, aquele antigo, no Pátio do Colégio, tendo sido o primeiro chefe da nova repartição.

Ali, ainda menino, meu pai conheceu o médico legista José Rebelo Netto, também muito amigo do vovô Alvaro, e que acabou sendo quem trouxe a Cirurgia Plástica para o Brasil, aprendida na Alemanha com o Doutor Joseph, um dos melhores do mundo e criador da técnica de rinoplastia que se faz até hoje.

Falecido o amigo, Rebelo Netto procurava ajudar a família chamando o Nino, apelido familiar dado pela italiana vovó Claudia, para ajudá-lo nas cirurgias, e ganhar algum dinheiro para sustentar a família enlutada. Os tempos foram duros, cheguei a ver duas tias discutindo se haviam passado fome. Uma achava que sim, outra que não.

Formado, ele exerceu Cirurgia Geral por oito anos, mas sempre auxiliando as cirurgias do Professor Rebelo, que insistia muito para que ele se dedicasse a especialidade. Em 1942 foi com Rebelo para um congresso em Buenos Aires, e de lá voltou Cirurgião Plástico em dedicação plena e tempo integral.

Como médico, a primeira lembrança que tenho é curiosa, vem dos meus cinco anos de idade, quando caí e sofri um talho no couro cabeludo. Minha mãe chamou e lá veio ele, de ambulância, com caixa de pequena cirurgia, enfermeiro e tudo, suturou meu ferimento em casa, deitado no divã do seu escritório. Nenhuma mordomia, era direito de todos os munícipes de São Paulo que sofressem um pequeno ferimento em casa, bons tempos aqueles…

Recordo também de uma reunião familiar feita em 1952 para festejar sua aposentadoria do serviço público, aos 43 anos. Foi precoce assim, porque o vovô Alvaro, sabendo que morreria cedo devido a uma valvulopatia mitral por febre reumática, havia conseguido colocá-lo no serviço público aos dezessete anos de idade, como escrivão de polícia. A terceira é melancólica e engraçada ao mesmo tempo, e aconteceu quando recebeu o título de Professor Emérito da Santa Casa em 1988. Sentamos juntos no anfiteatro e ficamos vendo todos aqueles professores, já velhinhos, verdadeiros pioneiros e baluartes da medicina brasileira, receberem os seus diplomas, até que o chamaram. Ele levantou foi até a mesa, recebeu o diploma com uma salva de palmas e voltou. Me pareceu o mais jovial e lépido de todos. Quando sentou-se ao meu lado lhe disse: “foi bem pai”, e ele respondeu: “é, deu para ir e voltar sem tropicar”.
Tinha uma segurança para operar, até os 74 anos, invejável para muitos cirurgiões, até que teve um infarto, na realidade o segundo, pois ao ser feito o diagnóstico havia a cicatriz eletrocardiográfica de um primeiro, que fora assintomático. Operou ainda alguns pacientes, mas passou a querer que o primeiro auxiliar sempre fosse eu. Em sua última cirurgia, sentiu-se mal, teve que sair e deixou para que eu a terminasse, depôs as armas.

Viveu ainda mais sete anos e meio, curtindo as quatro netas que muito amava. No dia 28 de março de 1992, um sábado, fui buscá-lo em seu apartamento para vir almoçar em nossa casa, com a família. Quando abri a porta da frente, o rádio estava ligado em uma estação de freqüência modulada e tocava uma linda música clássica, um de seus “hobbies”. Mas senti algo estranho no ar, caminhei mais uns passos e cheguei a porta da cozinha. Ele estava debruçado sobre a cuba da pia e encostado na geladeira, rente a ela. Achei que estava se sentindo mal e gritei “pai!”, correndo para abraçá-lo. Caiu ao chão em rigidez cadavérica. Morto! Paulista cai em pé…

Quando organizou e presidiu o 1º Congresso Brasileiro de Cirurgia Plástica havia insistido muito para que o Doutor Rebelo, seu velho e querido mestre, que se aposentara precocemente, comparecesse. Desgastado por problemas de ordem pessoal ele não foi, mas enviou uma bonita carta lida pelo seu primeiro aluno na cerimônia de abertura dizendo que não operaria mais, e que aquelas linhas eram seu canto do cisne. Sem dúvida, o grande mérito da fundação da especialidade no Brasil é do Doutor Rebelo Netto, mas pelo apoio que deu ao mestre, inclusive ajudando-o a fundar a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e pela continuidade, organizando o 1º Congresso Nacional e fundando a Revista Latino-Americana de Cirurgia Plástica, ele tem direito a uma pequena parte desse merecimento. Quando da leitura da carta de despedida do Doutor Rebelo, eu com dez anos, minha irmã Maria Helena, com catorze, e nossa mãe Olga, estávamos na primeira fila ouvindo-o.
Tenho muita saudade do nosso herói…

 

Dr. Álvaro Duarte Cardoso
dralvaro0@terra.com.br

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